Pensei em escrever tantas coisas! Sempre muito, um exagero (quem me dera experimentar a medida de sua contenção: seu altivo contentamento solitário). E justamente por isso, para evitar que me perdesse em um jogo de palavras mortas ensaiei essa carta tentando perceber o que havia de importante ainda a dizer já que, em nossas longas conversas, havíamos nos contando tanto um para o outro. Nesses ensaios busquei guardar uma palavra, algumas talvez, mas poucas, de tudo isso que sinto – elas haveriam de bastar, haveriam de honrar o meu afeto.
Querido, guardo sua presença doce e cuidadosa, suas tantas manhas deliciosas que me fazem rir! Guardo o desejo de soprar seus cílios para acordar o menino dos seus olhos, guardo a vontade de beijar você e quem sabe livrar do abandono alguma palavra esquecida no canto da boca.
Claro que você notou o abuso da palavra guardar. Nem ausência ou presença, talvez, seja essa a palavra mais importante dessa carta. Porque, penso, não valha tanto o que se guarda: uma lembrança, desejo ou bilhete, mas antes, como se guarda o que se guarda – o sentido de guardar. Eu tenho um, que roubei de um músico poeta e que ofereço a você: guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.
A mim não importa o que será de nós: uma grata e cúmplice amizade (de segredos trocados de uma vida inconfessa) ou um amor possível (de encanto sincero). Que nenhuma esperança nos encerre! Porque eu mesma não espero, apenas tento saber reconhecer e guardar quem e o que no meio do inferno, não é inferno, e assim, acompanhada, abro espaço para a vida acontecer. Meu pedido, meu convite é pra te acompanhar. Do jeito que puder ser, do jeito que a gente quiser.