sexta-feira, 5 de junho de 2009

Um outra carta

Ontem voltando para casa escrevi, em pensamento, uma carta pra vc. Foi uma carta bonita. Ela nunca mais vai ser, apesar de ficar guardada em mim como um momento de presságio, presságio de que existo, porque às vezes duvido.
Clarice escrevia como se fosse para salvar a vida de alguém. Eu sempre repito essa frase. Eu sempre me repito e você vai perceber isso logo. Lembra daquele poeta sobre qual lhe falei, Carpinejar, amigo do Manoel de Barros? Ele sugere que decoremos os erros para aprender o caminho. Gosto de me acolher nas palavras dele, acho que já lhe falei que faço da palavra meu lugar. É no universo da escritura que extrapolo, mas minha única intenção é caber, é na palavra que me invento. Todo o resto é previsível.
O papel abriga suas confissões e as minhas também. Reli sua carta muitas vezes e fiquei surpresa porque às vezes confundia: era você mas eu me via! Registrei tantas vezes, de tantos outros jeitos as frases que vc mandou pra mim: texto é uma fuga do meu mundo; vivo nele sozinho desde sempre, texto é o anúncio desse outro que vive em mim e eu desconheço; e eu sou o meu maior boicote. Sentenças bonitas e desoladoras. Se eu acreditasse em um deus pediria um pouquinho de contentamento, porque fujo, elaboro complicadas armadilhas para me ferir (eu sou meu maior boicote) e sei que a única resposta é o silêncio, e o silêncio contém tudo.
Demorei para escrever porque não quero profanar o que começou encantado. Outro dia escrevi que o cotidiano não me desafia e quando escrevo sempre me projeto, mas minha projeção nasce condenada. Por isso não guardo. Mas posso dizer do prosaico que envolve você, da sua delicadeza atenta, da sua escuta que saboreia devagar, a fim de reconhecer o gosto.


Gostaria de ler o que essas outras coisas que você escreveu, sobre as quais você se refere na carta. Me mande. Meu dia começou mais bonito ao ler sua mensagem. Quase me acostumei a respostas mudas, quase... Saber que vc me lê e se conta para mim é um jeito de me desvencilhar. A solidão me procurando e eu rindo, escondida em seu texto, igual brincadeira de criança. No fim ela me encontra, mas não faz mal. Isso é muito pra quem já nasceu adulta.

“Há macieiras que, preferindo a beleza de seus frutos à manutenção de seu equilíbrio, se partem. São loucas.”
Não sei de quem é, mas serve.

Um comentário:

  1. Cherrie!!! Vou tentar postar uma foto pra esse ultimo paragrafo q se encontra no Bachelad do Ar e os sonhos! Um beijin e saudade!!!

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