quarta-feira, 20 de maio de 2009

É preciso dizer alguma coisa

Há um tempo que estou ensaiando essa carta. Não dá pra deixar de falar do meu desconforto em escrevê-la ainda neste lugar - quase um deserto, me parece.
Também não vivi, nos momentos derradeiros, junto com todos vocês como era devido, o desfecho desta história, no mínimo surpreendente, no sentido mais ignóbil e covarde da surpresa.
Não me cabe e também não quero um discurso moralizante a respeito da dureza das estruturas, nem de maliciosas arquiteturas do poder. Não que não deva ser feito, deve sim. Não sei se por incompetência, impotência ou dor nas pernas, eu não posso. Mas, como todos sabem me inclino a pensar na vida, nisso a que chamamos de vida e nos efeitos dela em nós.
Os efeitos desta história eu vivi, sobretudo, pelas palavras de outros. Não pude me despedir. Alguns de vocês eu nunca mais vi. Não sei como seria se estivesse aqui. Fiquei muito, muito triste. Por vocês e por mim. Vocês são pessoas com as quais vale a pena trabalhar. Em qualquer posto, com qualquer um de vocês, eu estaria segura. Nunca deixarei de afirmar, em voz alta, a competência e esforço dos que lutam e trabalham. E não há nenhuma espécie de nobreza ou distinção nisso, nem pra vocês e nem pra mim.
O trabalho, pra todos nós, é uma necessidade, um imperativo e não um hobby, uma distração.
É certo que entramos num jogo de forças para que nosso trabalho não se resuma à morbidez dos donos da verdade, o marasmo dos sensatos ou à leviandade dos resignados. Ousamos. Algo mais que nos faça sentido.
Pensamento e ritmo e um encantamento ordinário pelas coisas ordinárias é o que eu guardo de nós. Tenho saudades. Boa sorte. Nos vemos por aí.

Ps.: Hoje, Jordi e eu resolvemos abrir as janelas para o sol entrar. Foi um toque do Zé W que nos perguntou se gostávamos de ficar no escuro. Ninguém havia percebido, mas há semanas que nem as persianas nem as janelas eram abertas.
Abrimos as janelas. Mas ainda respiramos com dificuldade.
[Essa carta eu escrevi aos colegas que trabalharam comigo no Programa Jovens Urbanos, na ocasião do desmanche da equipe, em junho de 2008]

Um comentário:

  1. Nooossa Aline que lindo!Realmente é muito difícil separarmos das pessoas, as quais sentimos admiração. Eu tb sinto muita falta deles e de vc tb.bjs Elenir

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